Conto The egg, de Andy Weir

O autor Andy Weir tem um conto chamado O ovo, e o texto está disponível no site dele, inclusive com versão em português.

http://www.galactanet.com/oneoff/theegg_pt-br.html

The Egg

Escrito por Andy Weir

Traduzido por Carlos Buosi

Você estava a caminho de casa quando morreu.

Foi em um acidente de carro. Nada muito chamativo, mas infelizmente fatal. Você deixou sua esposa e duas crianças. Foi uma morte sem dor. Os para-médicos tentaram de tudo para te salvar, mas em vão. Seu corpo foi completamente destruído, você já esteve melhor, pode acreditar.

E foi aí que você me conheceu.

“O que-… o que aconteceu?” Você perguntou. “Onde estou?”

“Você morreu,” Eu disse, com naturalidade. Não fazia sentido conter as palavras.

“Havia um caminhão.. e ele derrapou..”

“Isso aí,” Eu disse.

“Eu.. Eu morri?”

“É. Mas não se sinta mal. Todo mundo morre,” Eu disse.

Você olhou em volta. Não havia nada. Só eu e você. “Que lugar é esse?” Você perguntou. “Isso é o paraíso?”

“Mais ou menos,” Eu disse.

“Você é Deus?” Você perguntou.

“Isso ai,” Respondi. “Eu sou Deus.”

“Meus filhos… minha mulher,” você disse.

“O que tem eles?”

“Eles ficarão bem?”

“É isso que eu gosto de ver,” Eu disse. “Você acabou de morrer e sua maior preocupação é a sua família. Isso é mesmo uma coisa boa.”

Você olhou pra mim com um certo fascínio. Pra você, eu não parecia com Deus. Eu aparentava ser um homem qualquer. Ou uma mulher. Uma figura autoritária meio vaga, talvez. Mais como um professor de português do que o Todo Poderoso.

“Não se preocupe,” Eu disse. “Eles ficarão bem. Seus filhos lembrarão de você como um pai perfeito em todos os sentidos. Eles não tiveram tempo de sentir algo ruim por você. Sua mulher vai chorar, mas vai ficar secretamente aliviada. Pra ser sincero, seu casamento estava desmoronando. Se serve como consolo, ela vai se sentir muito culpada por se sentir aliviada.”

“Ah..”Você disse. “Então o que acontece agora? Eu vou para o Céu, pro Inferno ou alguma coisa do tipo?”

“Nenhum dos dois” Eu disse. “Você vai reincarnar.”

“Ah,” você disse. “Então os Hindus estavam certos,”

“Todas as religiões estão certas de alguma forma,” Eu disse. “Venha comigo.”

Você me seguiu enquanto caminhavamos pelo vazio. “Aonde estamos indo?”

“A lugar nenhum específico,” Eu disse. “Só gosto de andar enquanto conversamos.”

“Então que sentido isso faz?” Você perguntou. “Quando renascer, eu vou esquecer tudo, não é?” Um bebê. Então todas as minhas experiências e tudo que fiz nessa vida não significaram nada.”

“Não é por aí!” Eu disse. “Você tem dentro de você todo o conhecimento e experiências de todas as suas vidas passadas. Você só não lembra dessas coisas agora.”

Eu parei de andar e coloquei as mãos em seus ombros. “Sua alma é mais magnífica, linda e gigantesca do que você possa imaginar. Sua mente humana pode apenas entender uma pequena fração do que você é. É como colocar o seu dedo em um copo de vidro e ver se está quente ou frio. Você coloca uma pequena parte de você em jogo, e quando tira, você percebe que aprendeu tudo que podia por lá.

Você foi um humano nos últimos 48 anos, então ainda não deu tempo de você perceber o resto da sua imensa consciência. Se nós ficarmos aqui por muito tempo, você começará a lembrar de tudo. Mas não faz sentido fazer isso entre cada vida.”

“Quantas vezes eu já reencarnei, então?”

“Ah, muitas. Muitas e muitas. E em muitas vidas diferentes.” Eu disse. “Dessa vez, você será uma camponesa chinesa no ano 540 D.C.”

“Es-espera aí, como?” Você gaguejou. “Você está me mandando de volta no tempo?”

“Bem, tecnicamente. Tempo, da forma como você conhece, só existe no seu universo. As coisas funcionam de outro jeito de onde eu venho.”

“De onde você vem?” Você disse.

“Ah claro, ” Eu expliquei “Eu venho de algum lugar. Um lugar diferente. tem outros como eu. Eu sei que você quer saber como é lá, mas honestamente, você não iria entender.”

“Ah,” Você disse, um pouco desanimado. “Mas espera. Se eu reencarno em diferentes lugares no tempo, eu poderia ter interagido comigo mesmo alguma vez.”

“Claro. Acontece o tempo todo. E já que as duas pessoas tem apenas consciência da sua própria vivência, você nunca sabe que está acontecendo.”

“Então, qual é o sentido?”

“Ta falando sério?” Perguntei. “Sério? Você está me perguntando o sentido da vida? Isso não meio clichê?”

“Bem, é uma pergunta plausível,” Você persistiu.

“Eu te olhei nos olhos. “O sentido da vida, motivo pelo qual eu criei todo o seu universo, é para que você amadureça.”

“Você ta falando da humanidade? Você quer que nós amadureçamos?”

“Não, somente você. Eu fiz todo esse universo para você. Para que em cada nova vida você cresça, amadureça e se torne um intelecto maior.”

“Só eu? E as outras pessoas?”

“Não há mais ninguém,” Eu disse. “Nesse universo, só existe você e eu.”

Você me olhou com um olhar vazio. “Mas e todas as pessoas da Terra…”

“Todos são você. Diferentes encarnações de você.”

“Que? Eu sou todo mundo?”

“Agora você está entendendo, “Eu disse, te dando uma tapinha nas costas.

“Eu sou todo ser humano que já viveu?”

“Ou quem irá nascer, sim.”

“Eu sou Abraham Lincoln?”

“E você é John Wilkes Booth, também, ” Completei.

“Eu sou Hitler?” Você disse, horrorizado.

“E também é os milhões que ele matou.”

“Eu sou Jesus?”

“E também é todos que o seguiram.”

Você ficou em silêncio.

“Toda vez que você enganou alguém, ” Eu disse, “você estava enganando a si mesmo. Cada ato de bondade que você teve, foi feito para consigo mesmo. Cada momento feliz e triste que você teve com qualquer pessoa foi, e será, aproveitado com você.”

Você ficou pensando por um longo tempo.

“Por quê?” Você me perguntou. “Por que fazer tudo isso?”

“Porque algum dia, você será como eu. Porque é isso que você é. Você é um dos meus. Você é meu filho.”

“Nossa,” você disse, incrédulo. “Quer dizer que sou um Deus?”

“Não, ainda não. Vocé um feto. Você ainda está crescendo. Quando tiver vivido todas as vidas humanas em todas as eras, você terá crescido o suficiente para nascer.”

“Então todo o universo,” você disse, “é somente…”

“Um ovo.” Respondi. “Agora é hora de você ir para sua próxima vida.”

E eu enviei você de volta.

Ionesco – Para preparar um ovo cozido

Tradução: Dirce Waltrick do Amarante
(Fonte: CÂNDIDO – Jornal da Biblioteca Pública do Paraná)

Eugène Ionesco. Para preparar um ovo cozido.

Peça ao vendedor um ovo para cozinhar. Peça que ele o examine para verificar se está fresco. O mais comum será um ovo de galinha. Pode-se usar também ovo de pata, que é bem maior, geralmente de uma coloração ligeiramente esverdeada e que não se encontra tão facilmente.
Vá para casa tentando manter o ovo intacto.

É preferível preparar o ovo cozido na cozinha, sobre um fogão. Atenção! Não se põe o ovo diretamente sobre o fogão, mas numa panela.

Primeiramente, ponha água na panela em quantidade suficiente para cobrir o ovo. Por exemplo, para uma panela cilíndrica, de 20 centímetros de diâmetro e 15 centímetros de altura, só precisa de meio litro de água.

Você pode obter água abrindo a torneira, na maioria dos casos em cima da pia; é na panela com água que se mergulha o ovo, que se põe no fogo. Se a água está fria, você pode aquecê-la depois de acender o fogo sobre o fogão.

Acende-se com a ajuda de um palito de fósforo, tirado de uma caixinha, que você vai friccionar sobre uma das duas laterais coberta de fósforo vermelho. Depois segure o palito de fósforo acima dos orifícios da boca do fogão, em seguida gire o botão permitindo a passagem do gás pelos canos e sua chegada nos orifícios pelos quais jorra sob o aspecto de pequenas chamas.

Pode-se utilizar também, no lugar do palito de fósforo, um isqueiro, ou seja, um acendedor com uma pedra de ferrocério ou elétrico de friccionar.

Espere a água entrar em ebulição. Em seguida, mergulhe nela o ovo.

Você pode retirá-lo ao cabo de dez minutos com uma colher a fim de evitar queimar seus dedos. Passe o ovo na água fria pela mesma razão.

Retire a casca do ovo. Para fazer isso, bata ligeiramente nela com a ajuda de uma faca ou de uma colherinha de café. Assim que ela se quebrar, deposite o objeto contundente e tire delicadamente a casca com a simples ajuda de seus dedos.

Jogue os restos das cascas, que não são comestíveis, na lata de lixo ou no ralo da pia, depois coloque o ovo sobre um prato de preferência raso.

Você pode cortá-lo em duas fatias no sentido longitudinal utilizando uma faca. Coloque sal nele e, se você quiser, manteiga derretida ou óleo. Pode- se também cortá-lo diametralmente em fatias mais finas e colocá-lo na salada. Pode-se também comer o ovo sem cortá-lo em fatias.

Nesse caso, leva-se com a mão o ovo à boca sem a intervenção do garfo, e parte-se o ovo com os dentes como uma maçã após cravar nele os incisivos e os caninos a fim de extrair aquilo que chamamos um bocado (de “boca”), depois um segundo e um terceiro bocados. Normalmente, três a seis bocados são suficientes para consumi-lo inteiramente. Pode-se eventualmente comer o ovo sem sal, sem manteiga e sem óleo.

Se quiser fazer dois ou três ovos, se duplica ou se triplica naturalmente toda a dose. Isso não influencia no tempo de cozimento desde que sejam colocados juntos. Se você ferver um líquido ou cozinhar um produto alimentar (ensopado, purê de batata etc.), você pode constatar que o tempo de cozimento varia conforme a quantidade ou a espessura dos alimentos sob a ação do fogo. Os ovos, desde que cozidos na casca, são exceção à regra. Se são coloca dos juntos, sua quantidade não influencia na duração do cozimento. Essa particularidade não pode ser desconsiderada.

Se, apesar de todas as precauções tomadas, o ovo estiver estragado, jogue-o fora.

O ovo estragado é reconhecido por seu odor nauseabundo, em razão da decomposição química que provoca o desprendimento do ácido sulfídrico H2S. Você pode dar queixa, nesse caso, diretamente para o vendedor ou para os Institutos de Higiene e de Controle Alimentar, cujo endereço está nos catálogos que você encontra que em todas as casas com telefone ou nos cafés e nas agências de correio.

O ovo cozido se distingue do ovo cru ou mole ou “na casca” por sua consistência mais compacta em razão da desidratação resultante do cozimento. No ovo chamado “na casca”, a gema permanece líquida; no ovo duro, a gema e a clara estão separadas.

Durante o cozimento, acidentes leves podem acontecer. De modo que a casca pode rachar e uma parte do conteúdo se espalhar na água; muito mais raramente todo o conteúdo. Não se inquiete, ele continua a cozinhar fora da casca. No final do cozimento, você pode pegar esses pedaços sólidos com uma colher. Você pode colocar um outro ovo na panela, isto é, recomeçar a operação.

Certos autores preferem e recomendam que se coloque o ovo na água fria, nesse caso, a casca corre menos risco de quebrar, pois ela se aquece e se dilata gradualmente. Uma dilatação brusca é difícil de prever, pois seu processo não é perceptível a olho nu.

Se você coloca o ovo na água fria para fazê-lo cozinhar ao mesmo tempo que a água ferve, a duração total da preparação necessária ao endurecimento é menos longa. Informar-se sobre a duração exata.

O fogão a gás não é absolutamente indispensável para a preparação do ovo dito cozido. Pode-se utilizar o fogo da chaminé, a grelha, o fogão à lenha, elétrico ou a álcool, etc, e mesmo saibro quente (a diferença de tempo de cozimento deverá ser levado em conta).

O ovo é um alimento nutritivo e saudável. Portanto, ele é proibido ou pode ser recomendado em certos casos. Segundo a opinião do médico.

Eugène Ionesco (1909-1994) nasceu na Romênia, mas escolheu viver em Paris. Em 1950, Ionesco tornou-se, com outros dramaturgos da época, como, por exemplo, o irlandês Samuel Beckett, um dos pioneiros do chamado “Teatro do Absurdo”. Escreveu cinco contos especialmente para crianças, ou melhor, para a sua única filha Marie- France, intitulados Conto n.1, Conto n.2, Conto n.3, Conto n.4 e Conto n.5. O texto “Para preparar um ovo cozido” é de 1966 e, nessa mesma época, Ionesco escreveu uma peça teatral sobre esse tema, O ovo cozido.
Dirce Waltrick do Amarante é tradutora, ensaísta e  professora do Curso de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Vive em Florianópolis (SC).

Gonçalo M. Tavares, Jerusalém

“O ovo, qualquer ovo, era para Mylia um material perturbante. O que mais rapidamente muda, o que é composto de maior desassossego, o que existe já para ser outra coisa. Havia em qualquer ovo uma espécie de altruísmo material, concreto, que ela não via em mais nenhuma coisa do mundo. Aparecer porque se quer desaparecer. Aparecer porque se quer fazer aparecer outra coisa. O altruísmo material era o altruísmo moral e não havia outro. O espírito não é generoso, o imaterial não é generoso: que pode perder o que não existe?” (p. 38)

Tavares, Gonçalo M. Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.